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Jornal do Brasil, 12.03.2009, Artigo

Contra a Justiça de classe

terça-feira 17 de março de 2009   |   José Dirceu
Lecture .

Alguns discursos da oposição, amplificados pela mídia, são recorrentes. Basta um pretexto para serem colocados na ordem do dia, puxando o fio de todo o raciocínio ideológico que sempre os envolve. Desta vez, o fato – muito grave, é verdade – que motivou pronunciamentos e reportagens sobre a questão das ocupações de terra, da violência, da ligação desses movimentos com ONGs, dos recursos repassados pelo governo federal aos assentamentos e entidades ligadas à reforma agrária, foi o assassinato de quatro seguranças numa fazenda em Pernambuco.

Quero reafirmar o que tenho dito e escrito: o problema da reforma agrária não são as ocupações, cujo número tem diminuído se levarmos em conta o tamanho do país, o grau de concentração da terra, o fato de ela ser improdutiva e a manutenção dos latifúndios. Principalmente, se compararmos estes números com o de trabalhadores e famílias sem-terra e com a pobreza no campo. As ocupações ocorrem basicamente no período anterior a abril e durante aquele mês, época em que os movimentos dos sem-terra fazem suas manifestações em memória dos mortos no massacre de Eldorado de Carajás, no Pará.

As invasões, sem violência, são uma forma de pressão e de negociação, usada para fazer avançar a reforma agrária. Já a violência, como o assassinato dos seguranças, é inadmissível, inaceitável e deve ser reprimida e punida. O fato é que sem as ocupações e sem a presença dos movimentos sociais, como a Contag, a Fretag, o MST e outros, não teríamos reforma agrária no Brasil.

Ao contrário do que afirmam os algozes do MST e dos sem-terra e a oposição, já em campanha para 2010, há, sim, reintegração de posse, negociações, desocupações e desapropriações, se a terra é improdutiva. Também beira ao cinismo a oposição aproveitar um ato de violência inadmissível, que choca a todos os brasileiros, para voltar à velha tese de que o governo transfere recursos para as entidades ligadas aos movimentos agrários dos trabalhadores e de que é preciso investigar a ligação entre os sem-terra e essas entidades, como declarou recentemente a Confederação Nacional da Agricultura, presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO).

Eu pergunto: que moral tem a CNA para investigar qualquer coisa? Quem deve ser investigado é a CNA e sua presidente, senadora Kátia Abreu, pela denúncia do uso de recursos públicos da entidade na sua eleição para o Senado, como foi amplamente divulgado pela mídia. As verbas públicas liberadas pelo governo, e questionadas, têm relação é com a reforma agrária.

As ONGs são entidades que dão suporte e apoio aos assentamentos na educação, saúde, administração, assistência técnica e tecnológica. Não tem aí nenhum segredo. Quanto ao uso dos recursos públicos e a ação do MST, vamos lembrar que o Congresso Nacional já fez duas CPIs, a das ONGs e a da terra, sem nada provar. Portanto, a retomada desses temas agora é pura e simplesmente mais um recurso eleitoral das oposições, onde quer que estejam – na mídia, nos partidos ou nos órgãos de Estado.

Toda e qualquer irregularidade deve ser investigada, e se comprovada, punida. Por isso, vem em boa hora a decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de orientar a Justiça (estabelecer o chamado controle judicial) a tomar medidas concretas em processos que envolvam conflitos fundiários.

A decisão é bem-vinda não apenas por causa do conflito que levou às quatro mortes recentes em Pernambuco, ou mesmo a fiscalização, pelo Ministério Público Federal, dos recursos recebidos pela Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), mas porque, talvez, assim o país conheça a gravidade da lentidão e da paralisia da Justiça na questão da reforma agrária e na apuração dos assassinatos e massacres dos sem terra.

Se a violência não pode ser tolerada, muito menos assassinatos e crimes de morte, como bem disse o presidente Lula, também não podemos ter uma Justiça de classe. Não pode continuar a impunidade para a pistolagem e para os assassinatos no campo, e a justiça sumária, o pré-julgamento para os sem terra.





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